José Manuel da Conceição: O Padre Protestante.
Rev. Helio de Oliveira Silva, STM[i]
Nascido em São
Paulo, seis meses antes da Independência do Brasil (11/03/1822). Filho do
português Manoel da Costa Santos e Cândida Flora de Oliveira Mascarenhas, neta
de açoreanos vindos para o Brasil por volta de 1750.[ii]
José Manoel da
Conceição mudou-se para Sorocaba em 1824 e foi educado pelo tio, o padre José
Francisco de Mendonça. Começou a ler a Bíblia aos 18 anos. Alguns anos depois,
fez amizade com uma família inglesa e várias famílias alemãs, todas
protestantes, e ficou impressionado com a vida religiosa deles.
Naturalmente
devoto, abraçou a carreira sacerdotal, tendo sido ordenado padre aos 22 anos,
diácono em 29/09/1844 e presbítero em 29/06/1845.[iii] Exerceu o sacerdócio de 1844 a 1864, sempre na Província
de São Paulo: Monte Mor, Piracicaba, Santa Bárbara, Taubaté, Sorocaba, Limeira,
Ubatuba e Brotas. Os paroquianos gostavam muito dele. Por seu apego à Bíblia e
por sua simpatia aos protestantes, em Limeira ganhou o curioso apelido de
"O Padre Protestante". Em função de sua pregação, o bispo o remove de
uma paróquia para outra tentando fazer com que tivesse pouca influência sobre
os paroquianos.
Em outubro de
1863, o casal Blackford mudou-se para São Paulo, visitando os lugares por onde
Francis Schineider havia ministrado. Foi nessa viagem que encontrou o padre
católico, José Manoel da Conceição pela primeira vez. O rev. Alexandre L.
Blackford o descreveu da seguinte forma: “Com cerca de 40 anos de idade,
corpulento, bem feito e gordo, com semblante que revela bondade. Inteligência
viva, cultivado, e com as maneiras de um perfeito cavalheiro”.[iv] Quando visitou Blackford
pela primeira vez, 6 meses depois, Elizabeth lhe dirigiu a palavra sem qualquer
cerimônia convidando-o a deixar o catolicismo e tornar-se protestante.[v]
Deixou o
sacerdócio católico em 28 de setembro de 1864 atraído pela simplicidade do
evangelho e pela Reforma Religiosa do Século XVI. Ao receber sua sentença de
excomunhão escreveu o que se tornou uma das estacas da reforma evangélica no Brasil;
completa separação da igreja Romana:
Por que não trabalhou pela reforma, sem
deixar a Igreja Romana?... Quando um edifício em desmoronamento ameaça completa
ruína, é impossível continuar a residir nele, mas sai-se dele, ao menos até que
seja reconstruído sobre bases firmes, sob pena de ficar com ele sepultado... Do
sentir a necessidade de uma reforma ao tornar-se o reformador mesmo, a
diferença é a que vai do possível ao impossível. Sentir a necessidade da
reforma, e por conseqüência fugir à ruína iminente, eis a parte do homem, que
compara o Evangelho com a prática e os dogmas da Igreja Romana; porém, o
efetuar eu a reforma, ficando no seio da Igreja, não cabia no possível.[vi]
Em Outubro de 1864, José Manoel da Conceição, viajou
juntamente com o Rev. Blackford indo de São Paulo ao Rio, a fim de tornar-se membro
da igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, sendo batizado por Blackford em
23/10/1864.
Antes de ser ordenado pastor evangélico em dezembro de
1865, Conceição dedicou-se à evangelização de seus amigos paroquianos em
Brotas, interior de São Paulo. Graças ao seu testemunho e à sua pregação, os
missionários pioneiros organizaram em Brotas a terceira Igreja Presbiteriana
brasileira (13/11/1865). Segundo Richard Sturz,
enquanto no Rio e em São
Paulo , o trabalho crescia lentamente, em Brotas o
presbiterianismo sacudia vilas, sítios e fazendas com conversões de famílias
inteiras.[vii]
Sua ordenação
aconteceu no domingo dia 17/12/1865,[viii] pelas mãos de Simonton,
Blackford e Schneider. Conceição pregou pela manhã um sermão sobre Lucas
4.18-19 e foi ordenado à tarde. Sua sentença de excomunhão do catolicismo foi
publicada em 29/12/1866. Ela foi publicada pelo Jornal Correio Paulistano[ix]
em abril do ano seguinte e no mês seguinte publicou a resposta de Conceição: Sentença de Excomunhão e Sua Resposta,
considerada a primeira obra apologética do protestantismo brasileiro.
A conversão de Conceição mudou por
completo o quadro e o avanço da obra missionária protestante no Brasil. Blackford
disse sobre ele:
Ele
tem pregado várias vezes de modo bastante aceitável. Seus sermões são ricos da
mais pura verdade do evangelho e revelam a profundidade do poder do pensamento
e um conhecimento dos processos do coração humano que são muito agradáveis e
encorajadores. Ele agora anda pela cidade sozinho sem hesitações e visita seus
amigos. Escreve, traduz, corrige, transcreve e lê provas para a imprensa.
Está
agora estudando um pouco de inglês e eu estou aprendendo português com ele, em
comunicação diária. Ele é dócil como uma criança, naturalmente alegre e uma
companhia das mais agradáveis. Se for dado a Deus conservar-lhe a vida e a
saúde, não poderíamos ter encontrado um colaborador mais valioso. Seus
talentos, superior caráter e ampla cultura podem, no curso de poucos anos,
servir como a mais efetiva influência para a evangelização deste país.[x]
A dedicação dele a Jesus Cristo era muito
grande, e o seu ministério itinerante era muito bem sucedido. Ele ardia de
paixão pelas almas perdidas e pelos excluídos. Conceição tinha um temperamento
muito especial. Não era capaz de ficar parado atrás de uma mesa, de gastar
tempo com a organização eclesiástica, nem de assumir um pastorado fixo. Não se
sentia atraído pelos grandes centros urbanos nem por pessoas bem vestidas. Era um
incorrigível pregador de vila em vila. Hospedava-se em qualquer lugar e não se
aproveitava de ninguém. Pregava, e desaparecia sem mais nem menos. Às vezes,
deixava um bilhetinho, agradecendo a hospedagem ou dizendo que tinha ido
embora. Nunca tinha um itinerário antecipadamente traçado. Viajava a pé
distâncias enormes, às vezes de uma província para outra. Comia pouco e se
contentava com qualquer comida. Sofria pressões do clero católico. Não
poucas vezes fora expulso de uma vila, ameaçado de morte, chamado de apóstata, anticristo
e até de pastor louco.
Conceição era um homem muito
culto ao mesmo tempo dotado de uma simplicidade cativante. Sabia comunicar-se com os estrangeiros em suas próprias
línguas, traduzia livros do inglês, do francês e do alemão, e tinha noções de
medicina. Chegava a se vestir mal, roupa surrada demais. A herança que recebeu
da família foi toda distribuída com obras de beneficência. Preocupava-se demais
com os outros e muito pouco consigo mesmo. Embora desimpedido do voto do
celibato por ter se desligado de Roma, o Padre José, como era chamado, nunca se
casou, e sua pureza de vida sempre estava fora do alcance de qualquer
maledicência. Não era servil aos missionários americanos, não obstante ser o
único obreiro nacional no meio deles. Por causa de sua experiência na Igreja
Católica, não escondia seus temores de uma igreja excessivamente organizada.
Realizava um ministério diferente dos missionários, e o seu trabalho era o que
crescia mais.
Visitou os EUA em 1867,
empolgando muitos jovens pastores e seminaristas a quererem vir para o Brasil. Conceição sonhava com um movimento profundo de reforma nos
sentimentos e experiência religiosa do povo, aliado ao esclarecimento bíblico,
que tornasse possível a criação de um cristianismo brasileiro puro e evangélico,
mas enraizado nas tradições e hábitos populares.
Gastou vinte
anos como sacerdote católico (22 aos 42 anos) e oito anos como pastor
protestante (43 aos 51 anos). Morreu no dia 25 de dezembro de 1873, dormindo,
na Enfermaria Militar do Campinho, no Rio de Janeiro, depois de ser atendido
por um médico e um farmacêutico e de pedir para ficar a sós com Deus. A
princípio fora enterrado como indigente, mas em 1876 seus ossos foram
transferidos para São Paulo. Está sepultado ao lado de Simonton, no Cemitério
dos Protestantes, anexo ao Cemitério da Consolação, nas proximidades do
Instituto Mackenzie, em
São Paulo. Na lápide de Conceição está gravado: "Não me envergonho do Evangelho de Cristo".
[i] Professor
de História da IPB no Seminário Presbiteriano Brasil Cenral (SPBC) em Goiânia. Mestre
em Teologia Histórica pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (CPPAJ)
em São Paulo. Pastor-auxiliar da I. P. Jardim Goiás-Goiânia.
[ii]
Boanerges Ribeiro, José Manoel da
Conceição e a Reforma Evangélica, O Semeador, São Paulo, 1995, p. 7.
[iii] Ibid, p. 24.
[iv] Ibid, p. 33.
[v] Ibid, p.34. Cf.: Alderi S.
Matos, Os Pioneiros, p. 40.
[vi]
José Manoel da Conceição, Sentença de
Excomunhão e Sua Resposta, 03/05/1867. O texto integral foi publicado no
Correio Paulistano de 20/04/1867. Trecho extraído de: Reily, História Documental do Protestantismo no
Brasil, p. 122. Veja a nota nº 231.
[vii]
Richard J. Sturz, “A Implantação do Protestantismo na América Latina”. Em:
Earle E. Cairns, O Cristianismo Através
dos Séculos, Vida Nova, p. 369.
[viii] Essa
é a razão porque na IPB o dia do pastor é comemorado nessa data.
[ix]
Elben M. Lenz César, História da Evangelização
do Brasil – Dos Jesuítas aos Neopentecostais, Ultimato, Viçosa, 2000,
p.110.
[x] Alberto
C.C. Ribeiro. Cartas às Missões
Estrangeiras de Nova Iorque, p. 5. Trabalho não publicado em pdf
eletrônico. Carta datada de 06/05/1865.